quinta-feira, 7 de junho de 2012

AVALIAR É PRECISO: uma análise do caráter educativo dos softwares


Vivemos em um momento em que a sociedade é completamente envolta e praticamente dependente da tecnologia. O seu uso é indispensável nos vários setores da sociedade, com os objetivos que podem ser de acelerar a realização de atividades, ter segurança e agilidade na transmissão de dados e informações, tornar algumas ações menos burocráticas, garantir acesso rápido e a um número maior de pessoas em um tempo menor, dentre vários outros e distintos objetivos.

O espaço escolar, como parte da sociedade que é, também se vê de certa forma obrigado a fazer parte deste mundo tecnológico que a era da informação e do conhecimento nos impõe, até porque a escola é formada por pessoas que estão inseridas nesse contexto tecnológico e por esse motivo , de uma forma ou de outra, ela precisa fazer uso dos recursos que as TIC’s ( Tecnologia da Informação e da Comunicação) nos oferece.

Nessa perspectiva se faz necessário pensar em como essas tecnologias têm sido introduzidas na escola e com qual objetivo. O que se percebe através de depoimentos e das próprias vivências é que muitas vezes os instrumentos tecnológicos têm sido apenas substitutos de outros recursos didáticos, o que perpetua uma prática pedagógica que tem como foco o ensino e não o aprendiz. Papert ratifica essa ideia quando diz que “a maior parte de tudo o que tem sido feito até hoje sob o nome genérico de “tecnologia educacional” ou “computadores em educação” acha-se ainda no estágio da composição linear de velhos métodos instrucionais com novas tecnologias” (PAPERT, 1985, p 56). Nesse sentido, vale retomar aqui uma discussão que se tem sobre a função da escola e o papel do professor no processo de aprendizagem.

Historicamente a escola voltou seu olhar apenas para o ensino sem se preocupar com a aprendizagem do educando. Ela se preocupou com a preparação das pessoas para o mundo do trabalho e esqueceu-se de preparar os educandos para pensar, para construir a sua aprendizagem.

Partindo dessa perspectiva, a partir do século XX estudiosos como Piaget e outros se dedicaram a estudar o desenvolvimento e a aprendizagem dando-nos suporte para compreender que a aprendizagem é um processo.

O construtivismo de Piaget, por exemplo, nos revela que o indivíduo constrói sua aprendizagem e essa construção se dá em relação com o mundo e individualmente, de forma ativa. A teoria de Piaget tem um caráter psicológico e não educacional, no entanto, é necessário aplicar seus conceitos no cotidiano escolar, adaptados ao campo pedagógico.  Nesse sentido, Papert, a partir dos estudos de Piaget, propõe o construcionismo que é a aplicação pedagógica do construtivismo.

Papert (2008, p.135) diz que:

O construcionismo é construído sobre a suposição de que as crianças farão melhor descobrindo por si mesmas o conhecimento específico de que precisam; a educação organizada ou informal poderá ajudar mais se certificar-se de que elas estarão sendo apoiadas moral, psicológica, material e intelectualmente em seus esforços. O tipo de conhecimento que as crianças mais precisam é o que as ajudará a obter mais conhecimento.

Ao propor o construcionismo, esse autor defende o máximo de aprendizagem com o mínimo de ensino e para isso nos apresenta a proposta do uso das tecnologias no espaço escolar como ferramenta que possibilita a construção ativa e significativa do conhecimento.

Em seu livro LOGO: computadores e educação, Papert fala especificamente como os computadores, enquanto instrumentos tecnológicos, afetam a maneira das pessoas pensarem e aprenderem, desde que não sejam utilizados de forma que o computador ensine a criança o que fazer, que lhe mostre o que é certo ou errado, que “programe a criança”. Segundo Papert (1985) a criança é que deve programar o computador, pois ao fazer isso “ela adquire um sentimento de domínio sobre um dos mais modernos e poderosos equipamentos tecnológicos” (PAPERT, 1985, p. 18) e ao fazer isso é possível mudar a maneira como as diversas aprendizagens acontecem, como Papert ainda afirma: “as crianças podem aprender a usar o computador habilmente e essa aprendizagem pode mudar a maneira como elas conhecem as outras coisas [...]” (ibidem, p 21).

No entanto, o que temos visto é que muitas crianças têm acesso a computadores, seja na escola ou em casa, contudo o uso que se faz da máquina não tem permitido o desenvolvimento do pensar, haja vista o mesmo ser notado apenas como um instrumento de exercício e prática, com atividades repetitivas que visam apenas verificar se a criança ou aluno acertou ou errou. Isso denota a concepção que a sociedade de certa forma tem sobre conhecimento, sobre a aprendizagem, que deve ser programada, com respostas prontas, sem permitir ou compreender que a aprendizagem é um processo, que o conhecimento é construído e que o erro é construtivo, pois nos impele a tentar outra vez, de outra forma, por outros caminhos, até chegar a resultados mais satisfatórios. Nesse processo de tentativa e erro o pensamento é exercitado, o sentido lógico é construído, a criança é estimulada a pensar sobre o pensar, ela discute com seus pares suas experiências, testa novas ideias e assim passa a ter um pensamento menos mecânico pois ela não é controlada pela máquina, mas ela sim é quem controla, ela de certa forma ensina o computador a “pensar”.

E ao ensinar o computador a “pensar” a criança embarca numa exploração sobre a maneira como ela própria pensa. Pensar sobre modos de pensar faz a criança torna-se um epistemólogo, uma experiência que poucos adultos tiveram (PAPERT, 1985, p 35).



2.  O USO DO COMPUTADOR NO ESPAÇO ESCOLAR

Quando falamos no uso do computador no espaço escolar não nos detemos a falar da máquina em si, pois para o seu funcionamento é necessária a existência de programas, de softwares, que viabilizem seu uso de forma adequada para o alcance dos objetivos propostos.

A cada dia esses programas são aperfeiçoados em todos os aspectos. Os engenheiros da computação aperfeiçoam graficamente e  esteticamente a cada dia esses programas que têm imagens muito próximas do real, que nos permitem perceber detalhes imperceptíveis ao olho nu e talvez jamais imaginados por alguns. A riqueza dos detalhes, das possibilidades, envolve, fascina o usuário, no entanto é primordial ter um olhar mais apurado para esses programas, um olhar que vá além de perceber o estético, o encantador, mas um olhar que permita verificar a possibilidade da construção do conhecimento a partir desses softwares.

É interessante quando Papert coloca ainda em seu livro LOGO: computadores e educação, que para os projetistas de computadores, engenheiros da computação, de certa forma é cômodo produzir programas para serem utilizados no mundo da educação, pois se tem a ideia do computador apenas como algo semelhante aos métodos tradicionais de ensino, só que em uma configuração mais moderna , atual  e lúdica.  Para os projetistas é fácil, pois esses programas “[...] são previsíveis, simples de descrever e eficientes no uso dos recursos da máquina” (PAPERT, 1985, p.55). Nesse sentido, pensamos qual o significado realmente de fazer uso de computadores na escola, de investir tantos recursos financeiros em tecnologias cada vez mais modernas se com seu uso não há mudança de pensamento.

Vale salientar aqui, e é imprescindível ter bem claro que os engenheiros de computação têm apenas o papel de criar as máquinas, os softwares, mas o objetivo do seu uso, no espaço escolar de uma forma específica, é de responsabilidade do professor, que além de traçar os objetivos para o uso de um software deve ter a consciência de qual é o seu papel no processo de aprendizagem.

Partindo dos pressupostos defendidos por Vygotsky (2003) o professor não pode ser aquele que instrui no sentido de dizer o que deve ser feito. Ele deve sim assumir o papel de mediador, o que não significa ser um contemplador, avaliador ou observador, mas sim alguém que colabora ativamente com a construção do conhecimento do educando, que interage.

A partir dessa relação de mediação entre o educando e o educador, que acontece na ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal), passa a existir a possibilidade do educando não apenas resolver situações problemas, de não apenas saber algo ou sobre algo, mas também saber partilhar o conhecimento construído, iniciando assim um processo de socialização.

A bem da verdade, há alguns projetistas que têm uma concepção diferenciada, como por exemplo Seymour Papert, já tão citado neste trabalho, que já projetam seus produtos objetivando que o usuário não seja apenas um executor de atividades repetitivas, mas seja um programador que construa conhecimento a partir do uso dos programas. Papert com um grupo de pesquisadores do MIT - Massachusetts Institute of Technology, criou o LOGO, um software que permite a criança estar no controle da máquina, sendo o programador, ensinando o computador a pensar e não vice versa.

Poderíamos aqui fazer uma grande lista de softwares que são denominados educativos ou educacionais, no entanto, partindo do pressuposto que o que determina se ele tem esse caráter ou não é o uso que se faz dele, nos deteremos neste trabalho a verificar as possibilidades e eficiência de apenas um software.

Cabe destacar aqui, como Fino (1998) afirma, que “o software educativo deve funcionar como ferramenta de mediação da aprendizagem e da cognição”. Ele deve também, ainda de acordo com Fino (ibid) “dar acesso a micromundos ricos em nutrientes cognitivos” que permitam uma atividade significativa, que estimule o desenvolvimento cognitivo, permitindo a manipulação com a ajuda de um outro mais capaz ( par ou professor), que permita a colaboração, que estimule atividades metacognitivas, que favoreça  a negociação social do conhecimento, que estimule a colaboração com os outros, que possibilite a interação, dentre tantas outras possibilidades que  devem ser propiciadas e habilidades que podem ser desenvolvidas  por um software que de fato é educativo.

Ainda segundo Fino (ibid) o software para de fato ser educativo, deve permitir ao aprendiz a iniciativa, deve consentir ganhar e testar competências, deve possibilitar uma exploração diversificada em que o controle seja do usuário.

 É mister  aqui salientar que ao avaliar um software não se deve deter a fichas, a grades de avaliação com inúmeros itens que vão desde o aspecto técnico até o aspecto pedagógico, mas sim verificar se os aspectos citados anteriormente são observáveis. Isso não implica dizer que o uso desses instrumentos para registrar a avaliação do software seja impraticável, no entanto as grades de avaliação, de certa maneira, limitam a avaliação.

Partindo dessa perspectiva, nos detemos a analisar um software bastante conhecido, presente em todas as máquinas e que pouco é utilizado com o fim realmente educativo no sentido já apresentado ao longo deste trabalho (pelo menos quando observamos as escolas do Brasil e de uma forma mais precisa as escolas do interior da Bahia as quais temos mais contato) -  o WORD, que é um editor de textos que faz parte do pacote da Microsoft Office (com o perdão de fazer merchandising).

3. AVALIANDO O WORD

Para verificar o caráter educativo de um software se faz necessário perceber se ele favorece o desenvolvimento das habilidades que possibilitam a construção ativa do conhecimento e atende os requisitos e características já citadas ao longo de todo este trabalho. Assim, partindo desse ponto de vista , quando nos detivemos a avaliar um software, nesse caso específico o WORD, procuramos seguir uma linha de pensamento para nortear a avaliação, a saber:

·         Permite a construção de conhecimento de forma ativa;

·         Estimula a colaboração;

·         Estimula o exercício da autonomia;

·         Permite a colaboração entre diferentes aprendizes;

·         Favorece a busca da aprendizagem que o educando necessita e deseja aprender.

É bom destacar que esses são apenas princípios norteadores e não se encerram em si. De certa forma, estes podem ser considerados o ponto de partida de análise, sendo que ao longo da observação do uso, a longo tempo, observando também o resultado desse uso, pode-se acrescentar novos indicadores, até porque a utilização dos softwares na educação deve ampliar, gradativamente, as competências e habilidades desenvolvidas no indivíduo, afinal não há limites para o conhecimento – sempre há muito a conhecer.

3.1 OBSERVANDO O USO DO WORD PARA OUSAR UMA AVALIAÇÃO.

Ao avaliar o WORD, nos propomos a acompanhar um usuário que já fazia uso deste “software”, que já tem domínio da linguagem escrita convencional, mas que sempre fazia o uso do mesmo de forma limitada, para mera digitação de textos.

A partir de uma situação problema, em forma de desafio pelo mediador para que fosse criado um texto criativo e atraente, sem determinar tema, foi iniciada a observação de uma criança fazendo uso deste software.  A princípio a criança solicitava que o tema para a produção do texto fosse dado, mas sob a orientação do professor da necessidade que o usuário tem de dar asas à imaginação, pensando em alguém que ela quisesse mandar uma mensagem atrativa e criativa, a criança foi se liberando da ideia já arraigada de que é necessário que alguém diga o que e como fazer.

É importante destacar que pela prática comum das escolas seguirem um currículo fechado e pré-determinado, pelos próprios indivíduos estarem habituados a ouvir as instruções do que deve ou não deve ser feito, é difícil sentar com uma criança e deixá-la fazer uso livre de um software qualquer, pois a sua mente está tão cauterizada que ela é incapaz, em um primeiro momento, de tomar a iniciativa para ver as possibilidades do uso do instrumento que lhe é apresentado.

Em se tratando do WORD, software escolhido para nossa avaliação, essa dificuldade se acentua, pois em todo e qualquer editor de texto a aparência não é convidativa, atraente, principalmente se o usuário é uma criança pequena que gosta de cores e movimento.

No entanto, o que se observa é que ao longo do uso do programa, com a presença ativa do mediador, esse usuário começa a ver as possibilidades. É possível verificar que o programa não precisa ser usado apenas para digitação, para transcrição de algo que estava no papel. Auxiliado pelo mediador, ele percebe que tem a capacidade de dominar o texto e deixá-lo da forma que ele julga mais interessante, inserindo imagens, gráficos, formas, cores, que permitem tornar o texto mais atraente.

Quando essa criança (usuário) senta ao lado de outra que também tem a missão de construir um texto que seja atrativo para o leitor, ele compartilha as descobertas, as estratégias, mostra as possibilidades de edição. Com o passar do tempo ele percebe que criar um texto vai muito além de meramente digitar palavras, pois com a ajuda de imagens e gráficos, aliados ao texto, é possível transmitir a mensagem desejada com mais emoção.

Diante dos pontos norteadores para a avaliação do software que fora supracitado podemos asseverar que com o uso do WORD é possível que o usuário construa seu conhecimento, no seu ritmo, de acordo com sua necessidade e seu desejo. Ele permite o exercício da autonomia, permite a colaboração entre aprendizes, mas exige que o responsável pela mediação desse processo esteja atento e não caia na tentação de ser um mero instrutor, mostrando o que o usuário deve fazer, mas deixando-o livre para isso.

O uso do editor de texto WORD também permite uma relação com os conteúdos do currículo escolar, apesar de que esse não é um fator que vá garantir a denominação de software educacional, mas vale aqui apontar que existe também essa possibilidade.

4. PARA CONCLUIR...

Enfim, podemos concluir este trabalho dizendo que seria arbitrário dizer aqui simplesmente se o software avaliado – o WORD - é educativo ou não, haja vista ser uma questão de uso que vai definir isso, como bem afirma Fino (2003).

Devemos ter bem claro em nossas mentes que não é necessário, não é obrigatório denominar ou rotular  um software como  educacional ou não, pois definir limita e o que desejamos é não ter limites para que o conhecimento seja construído. É necessário entender sobre a possibilidade do uso educacional do software, se ele vai favorecer a autonomia, vai estimular o educando ir em busca das aprendizagens que necessita e deseja aprender, refletindo sobre como aprendeu. Isso sim é o que vale!



REFERÊNCIAS





FINO, C. N. Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): três implicações pedagógicas. Revista Portuguesa de Educação, vol. 14, nº 2, pp  273-291,  2001.



______. Um software educativo que suporte uma construção de conhecimento em interação (com pares e professor). IN: Actas do 3º Simpósio de Investigação e Desenvolvimento de Software Educativo (edição em cd – rom ).Évora : Universidade de Évora, 1998.



____________. Avaliar software “educativo”. IN: Actas da III Conferência Internacional de Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação (pp.689 – 694). Braga: Universidade do Minho, 2003.

PAPERT, Seymour. A Máquina das Crianças – repensando a escola na era da informática. Ed. Ver. Porto Alegre: Artmed, 2008.

______. LOGO: computadores e educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

VYGOTSKY, Lev. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003.




Nenhum comentário:

Postar um comentário